José Lourenço Alves, pesquisador do NEPPs, divulga pensamentos do militante e artista francano Abdias do Nascimento

José Lourenço Alves é pesquisador do NEPPs e divulga os pensamentos do ator, dramaturgo e pensador francano Abdias do Nascimento, falecido em 2011.

Diz que, em virtude do Dia da Consciência Negra no próximo dia 20, Abdias propõem, em “Quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista”, a realização da Semana da Memória Afro-Brasileira, de 14 a 20 de novembro, “deve constituir um acontecimento inspirador que estimule a ação transformadora do presente rumo ao futuro”. O autor, inclusive, chega a abordar o conteúdo da semana, que Lourenço transcreveu em uma postagem recente no Facebook e nos coloca em reflexão frente à essa data tão importante. A seguir a transcrição da obra de Abdias:

Dia 14 (1º dia): África: suas civilizações na antigüidade, o Egito, a Etiópia, o Sudão. Os impérios mais recentes: Songai, Asante, Iorubá, e outros. Nesta celebração se incluem referências às formas de organização africana da família (matriarcado), sociedade, economia e do Estado. As artes, as ciências, a tecnologia: as pirâmides egípcias, a matemática, a engenharia, a medicina, as pinturas rupestres e as construções urbanas em Zimbábue, as esculturas de Nok, Ifé, Benin, e assim por diante.

Dia 15 (2º dia): As primeiras incursões portuguesas no território africano no século XIV. Logo depois, a invasão colonial da África por Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Holanda, Bélgica, Itália, Alemanha. A escravização dos africanos: as técnicas de captura utilizadas pelos bandidos europeus. As longas caminhadas através das florestas até a costa atlântica. A enorme taxa de mortalidade durante o trajeto. Os barracões e depósitos na costa. O batismo compulsório.

Dia 16 (3º dia): O embarque dos africanos nos tumbeiros: os horrores a bordo: fome, sede, epidemias, imobilidade do corpo, falta de ar; a alta taxa de mortalidade; os africanos atirados vivos ao mar; outras formas de suplício e assassínio. Os portos brasileiros de desembarque.

Dia 17 (4º dia): Os mercados de escravos; maneira como as “peças” eram oferecidas ao público comprador, e os brancos examinavam os africanos como se fossem animais. As vendas e as compras atendendo os pontos focais de concentração econômica: produção do açúcar, do algodão, da mineração, do café, do cacau, do gado, do fumo, e assim por diante.

Dia 18 (5º dia): Vida escrava, rural e urbana. Os castigos e os instrumentos de tortura. O estupro da mulher africana. A imposição religiosa católica. A persistência das danças, cantos, instrumentos musicais e folguedos trazidos da África pelos escravos. As religiões africanas e as línguas faladas pelos escravos. Formas de recusa à escravidão: suicídio, banzo, fuga, assassínio do senhor, e outras.

Dia 19 (6º dia): As revoltas e os quilombos. O papel dos valores africanos da resistência: religião, arte, folclores, conhecimentos técnicos de fundição do ferro, do bronze, de agricultura. A importância na resistência de instituições religiosas a exemplo da Casa das Minas (Maranhão), do Axé do Opô Afonjá (Bahia). Papel das instituições laicas após a abolição: Frente Negra Brasileira, Teatro Experimental do Negro, União dos Homens de Cor, Associação Cultural dos Negros, Floresta Aurora, e todas as outras organizações negras que existiram e existem.

Dia 20 (7º dia): O Dia da Consciência Negra deve resumir tudo aquilo que tiver ocorrido nos dias anteriores. Ênfase à figura de Zumbi, o primeiro militante do pan-africanismo e da luta por liberdade em terras brasileiras. Zumbi, consolidador da luta palmarista, selando com sua morte em plena batalha a determinação libertária do povo negro-africano escravizado, é o fundador, na prática, do conceito científico histórico-cultural do quilombismo. Quilombismo continuado por outros heróis da história negra: Luísa Mahin e seu filho Luís Gama, Chico-Rei, os enforcados da Revolta dos Alfaiates, dos levantes dos Malês, da Balaiada, o Dragão do Mar, Karocango, João Cândido, e os milhões de quilombolas assassinados em todas as partes do nosso território onde houve o infame cativeiro. Na celebração de encerramento da Semana da Memória Negra deve-se dar todo o destaque aos programas e projetos das entidades e da comunidade, tendo em vista um futuro melhor para os afro-brasileiros. O último evento da Semana deve, de preferência, acontecer ao ar livre, numa concentração da comunidade negra e das pessoas de qualquer origem interessadas em nossas atividades. Durante todo o decorrer da Semana, a retórica acadêmica deverá ser radicalmente proibida.